MATRÍCULAS EM FACULDADES À DISTÂNCIA DEVEM SUPERAR AS PRESENCIAIS EM 4 ANOS

Se a tecnologia dita cada vez mais os rumos das carreiras do futuro, a sala de aula não pode ficar de fora. No mundo inteiro, o lugar de formação dos profissionais já reflete novos meios de vida e as adaptações necessárias às exigências do mercado. Em meio a essas transformações, o ensino ganha cada vez mais terreno na plataforma digital. No Brasil, enquanto as matrículas nos cursos presenciais registraram decréscimo por dois anos seguidos, nas graduações a distância elas explodiram. Em Minas Gerais, o maior crescimento da Região Sudeste de acordo com os últimos dados disponíveis, os registros feitos para cursos on-line já respondiam por mais de um quarto das matrículas da educação superior. Por trás do computador, as mudanças na forma de estudar encontram histórias de pessoas que conseguiram superar barreiras financeiras, de tempo, idade e até de locomoção para dar asas ao sonho do diploma universitário.

A previsão é de que em 2023 a formação on-line já responda por mais alunos do que aquela feita em sala de aula. A explosão da modalidade coincidiu ainda com a expansão de polos de ensino, mas há quem acredite que esse movimento não seja sustentável. A tendência seria de consolidação e redução, restando apenas aqueles que têm uma base significativa de estudantes. “A virada pode ocorrer dentro dos próximos quatro anos, mas é preciso considerar que o ensino presencial pode retomar o crescimento”, informa o presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, Celso Niskier.

Entre 2010 e 2017, ano do último censo da educação superior, a taxa de novas matrículas presenciais e a distância em instituições públicas e particulares de Minas Gerais cresceu em média 3,4% ao ano. No Rio de Janeiro, o avanço foi de 3,1% no período; no Espírito Santo, de 3%; em São Paulo, 2,9%. Os dados fazem parte da pesquisa Educação Superior em Minas Gerais – Contexto e perspectivas, encomendada pela ABMES e feita pela empresa de pesquisas educacionais Educa Insights.

O levantamento mostra que, no período, o maior crescimento se dá no setor particular, que saltou de pouco mais de 157 mil novas vagas, em 2010, para quase 250 mil novas vagas ao ano, em 2017, crescimento médio anual de 6,8%. No mesmo período, o setor público de ensino superior cresceu somente 3%, saindo de pouco mais de 46 mil novas vagas, em 2010, para cerca de 57 mil novas vagas, em 2017.

De acordo com o estudo, a educação a distância em Minas Gerais tem fatia expressiva do setor particular. Em 2010, o ensino presencial correspondia a 81% das matrículas mineiras, contra 19% de EAD. Em 2017, o número de matrículas presenciais recuou sete pontos percentuais (74%), enquanto a modalidade EAD registrou crescimento dos mesmos sete pontos percentuais, encerrando o ano com 26% de todas as matrículas do mercado privado de educação superior.

A perspectiva das instituições é aumentar o público presencial e ainda mais o da educação a distância. No médio prazo, a previsão é de que os alunos com mais dificuldade financeira migrem para a EAD, principalmente diante do cenário desfavorável do financiamento estudantil, e permaneçam na sala de aula convencional aqueles com mais disponibilidade de tempo e recursos. E, diante dessa “concorrência” com o ensino on-line e antevendo uma alteração no perfil, os estabelecimentos de educação superior estão mudando metodologias e buscando inovar com a didática da EAD, na intenção de captar um grupo mais diverso de alunos.

Nesse contexto, as fronteiras entre presencial e a distância estão se tornando menos nítidas. Atualmente, na chamada sala de aula invertida, que tem sido adotada em universidades e faculdades, os alunos estudam antes em casa e vão para a escola desenvolver a prática sob orientação do professor. “Nesse modelo, o conhecimento pode ser obtido onde o aluno estiver, com apoio de metodologia e materiais oferecidos a distância. Sala de aula é prática. Em um modelo híbrido, a prática é presencial e a teoria é a distância, como ocorre no mundo inteiro”, diz Celso Niskier. No fim do ano passado, portaria do Ministério da Educação (MEC) dobrou o limite para aulas a distância nos cursos de graduação, de 20% para 40%.

“O mundo caminha para o modelo misto, que combina presencial e a distância de acordo com a necessidade de cada aluno e de cada curso. Para algumas graduações, como as da área de saúde, ninguém defende o curso totalmente a distância. O mercado saberá encontrar o caminho que combine interesse do aluno com diretrizes do curso. Tecnologia não é mais opção, mas uma diretriz”, afirma o presidente da ABMES. Assim, cada instituição estabelece seu modelo dentro dos limites das diretrizes nacionais curriculares. Alguns cursos podem ser feitos on-line dentro ainda do que estabelecem os respectivos conselhos profissionais.

No Brasil, apenas quatro cursos não têm a modalidade EAD, por proibição legal: direito, odontologia, medicina e psicologia. “Alguns conselhos têm se oposto à EAD como um todo, com o pretexto de cursos oferecidos 100% a distância. Mas não podem negar a realidade. Além disso, todos os cursos regularizados e autorizados funcionam sob a fiscalização do MEC. Fora disso, é querer andar para trás. Toda área tem potencial para EAD, mas nunca 100%. O debate que deve ser travado via Conselho Nacional de Educação (CNE) é o quanto se pode ter de EAD e o quanto estamos abertos a ela”, afirma Celso Niskier.

Perfis da EAD

Acessibilidade 
Júnio Carlos Silva, 47, aposentado, 8º período de administração da Faculdade Arnaldo

Ele se aposentou depois de um acidente de carro, em 1997. Aos 25 anos, Júnio Silva ficou tetraplégico devido à lesão na cervical. Mas não se deixou abater: voltou a estudar em 2007. Terminou o ensino médio e começou a fazer concurso. Mas, para poder almejar cargos melhores e considerando suas limitações físicas, escolheu a educação a distância.

“Minha intenção sempre foi voltar a trabalhar e não ser visto como alguém incapaz. Sempre gostei muito de direito. Em 2013, fiz Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e tentei vaga na faculdade. Administração foi o que consegui. Não era minha vontade, mas passei a gostar muito durante o curso. Era para ter terminado ano passado, mas tive dificuldades por causa de minha lesão. Fiquei internado durante quatro meses e não tinha como fazer as provas. Deixei o TCC (trabalho de conclusão de curso) para este semestre. Quero voltar a fazer concurso ou trabalhar na minha área em empresa privada. A EAD foi a alternativa que tive para fazer graduação, com tudo igual a uma faculdade convencional, porém, com mais comodidade. Tenho todo o material em formato digital e vou à faculdade fazer provas. Minha crítica é em relação aos próprios alunos, que ficam se enganando e não valorizam a EAD. Estudam só para as provas, pegam os testes com turmas anteriores e não entram no ambiente virtual para se aprofundar. Hoje recebo um salário mínimo de aposentadoria. Quem cuidou de mim a vida inteira foi minha mãe. Mas eu envelheci, e ela também. A necessidade de pagar alguém que me ajude é a motivação para ter uma renda melhor. Há nuances da EAD que precisam ser melhoradas, inclusive, o entendimento do que é e o fato de ela ter que ser mais respeitada.”

Congresso 
Belo Horizonte sedia de quinta-feira até sábado a 12ª edição do Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular (CBESP). Promovido pelo Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular (Fórum) e pela Linha Direta. As discussões serão pautadas pelo tema “Educação superior: inovação e diversidade na construção de um Brasil plural”. São esperadas cerca de 500 pessoas entre reitores, mantenedores, autoridades, educadores e formuladores de políticas públicas para educação de todo o Brasil. As inscrições podem ser feitas no site do evento (https://cbesp.com.br/).

EAD: o desafio da reputação
Ensino a distância demanda sobretudo disciplina dos estudantes, que aderem ao modelo pela comodidade e por ser mais acessível. Esforço e qualidade vêm vencendo resistências.

De um lado, a corda bamba da economia fez dispararem as matrículas na educação a distância. De outro, a mudança no financiamento estudantil foi determinante para a mudança de perfil do universitário brasileiro. Mas a tendência que impulsiona a EAD vai além de fatores socioeconômicos. Tem a ver também com a flexibilidade de se poder estudar a qualquer hora, não importa onde; com a capilaridade dos polos (presentes em pequenos municípios, onde não há universidades ou faculdades); e com a nova geração de estudantes com familiaridade com a tecnologia. Aliadas a isso, as características do estudante – disciplinado, que estuda sozinho e tem determinação – têm ganhado espaço no mercado de trabalho, reduzindo um preconceito que ainda existe.

“Há ainda um desconhecimento de alguns setores sobre o perfil do profissional formado a distância. O diploma é exatamente igual ao presencial. Acreditamos que são alunos que, por vencer tantos obstáculos nos estudos, têm essa capacidade de superação. Já ouço algumas empresas testemunharem sobre esse diferencial de graduação”, conta o presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, Celso Niskier.

Apesar de atualmente o estudante ser preponderantemente mais velho e de a EAD atingir, muitas vezes, quem já estava no mercado e não tem como voltar a estudar, é notada a ascensão gradual de um outro grupo: o de alunos recém-formados no ensino médio. O perfil também é bem específico: jovem, com habilidades para a tecnologia, que já quer ou precisa trabalhar e tem dificuldade financeira e, por isso, quer um diploma mais acessível.

Embora sejam muitas as razões, as questões econômicas continuam pesando na escolha. E, por isso, o aumento nas matrículas em EAD, que em Minas Gerais representam pouco mais de um quarto da fatia desse mercado no setor privado, tem a ver com o fato de ela ser opção economicamente mais viável para muita gente. Essa motivação pega, principalmente, o público que teve de parar de estudar e encontrou no ensino on-line a possibilidade de cursar a graduação a preço mais acessível. Enquanto nos cursos presenciais o preço médio da mensalidade varia de R$ 529 a R$ 5.269, na EAD vai de R$ 127 (gestão comercial) a R$ 270 (serviço social).

O crescimento da EAD coincide, aliás, com o período de redução no número de vagas e de mudanças nas regras do Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Em 2015, quando começaram as dificuldades com o Fies, as matrículas presenciais saíram de 486.924 para 468.821, em 2017. No mesmo período, a EAD subiu de 127.060 para 167.060 novos alunos.

Por isso, a base da interlocução das associações com o governo passa pelo resgate da ideia do crédito estudantil, presente no mundo inteiro, e fazer isso não levando em conta critérios financeiros, mas o valor social do programa. “O retorno desse aluno para a sociedade vai muito além do financiamento. Depois de formado, vai pagar impostos e ter renda. Esse estudante está no melhor momento para adquirir competências, mas no pior momento em termo de caixa. Não é um investimento financeiro. É social.”

Palavra de especialista 
Luiz Cláudio Costa – presidente do Observatório de Rankings Acadêmicos e de Excelência (IREG, na sigla em inglês), ligado à Unesco, e vice-reitor do Instituto de Educação Superior em Brasília

Tendência sem volta
“Discutimos em um congresso em Bolonha (Itália) e é preocupação do mundo inteiro a necessidade de se trabalhar a reputação da EAD, porque, culturalmente, até pouco tempo, educação era presencial. Há muitos aspectos a serem vencidos para mostrar a importância, seriedade e capacidade de ela atender demandas da sociedade. Organizações europeias e norte-americanas estão trabalhando nisso. Os Estados Unidos estão começando os primeiros cursos de educação a distância – lá, é para atender ao pessoal mais velho, que já tenha tido algum crédito numa instituição superior. A partir do ano que vem, as chamadas big leagues, as universidades famosas, vão começar a oferecer ensino a distância. Quando bem-feita, a EAD pode contribuir para formação do estudante, mas é preciso responsabilidade das instituições para buscar professores que saibam fazer e material e mecanismos adequados, pois o estudante tem que ter muito mais que autonomia e disciplina. No Brasil, as provas são feitas presencialmente. No exterior, há mecanismos que verificam se o entorno do estudante sentado em frente ao computador, para onde ele está olhando, se está com uma fonte extra de consulta. Devemos falar em educação em diferentes níveis de presencialidade e, não tenho dúvida, a do futuro será assim. Temos tecnologia disponível, mas a mudança é cultural.”

Perfis da EAD

Malabarismo
Kênia Cristina Cristo Silva Freitas, de 33 anos, 5º período de pedagogia da Faculdade Pitágoras.

Ela começou o curso dos sonhos em fevereiro de 2017. Faz todo dia a ginástica de estudar, trabalhar, ser dona de casa e mãe de três filhos de 13, 9 e 8 anos.

“O curso EAD foi a minha única opção, por questão de valor e tempo. Não tenho condições de pagar a mensalidade do curso presencial e nem de arcar com passagem. Com família, é complicado ficar fora de casa por muito tempo. Mas conciliar tudo é um verdadeiro malabarismo. Estudo em casa à noite e tenho aulas presenciais aos sábados. Eu me considero muito disciplinada. Tenho conseguido adquirir os conhecimentos necessários de maneira qualitativa. Porém, às vezes, é irritante não ter um tutor ou professor para atender sua demanda no momento. E é aí que entra a questão do computador, pois uma dúvida que você tem leva até 48 horas para ser sanada. Então, requer paciência também. Na atual conjuntura, prefiro a EAD, porque consegui me adequar. Terei mais tempo com minha família, pois, mesmo estudando em casa, estou presente numa eventual emergência. Pretendo terminar a graduação em dezembro de 2020 e já iniciar, no mesmo formato, uma pós em tutoria e gestão escolar em fevereiro do ano seguinte. Para uma mulher parda e pobre como eu, a educação é a única saída pra almejar uma vida melhor.”

Aplicação
Darcy Campos Maciel, de 58 anos, 8º período de ciências econômicas da Faculdade Arnaldo.

Ele sempre trabalhou com contabilidade. Está quase se aposentando e quase se formando ao mesmo tempo. Pai de cinco filhos, dos quais quatro já formados e um prestes a entrar no curso superior, decidiu cursar EAD para futuramente abrir o próprio negócio.

“Eu precisava de mais conhecimento para desenvolver o que o mercado exige. Vinha trabalhando em escritório para conseguir fazer curso superior, primeiro pelo fator financeiro e também por ser arrimo de família. Fiz ciências da religião, sou bacharel em teologia, mas precisava fazer economia ou contabilidade. Economia era mais completo para a minha atividade. Faço análises, balancete, mas aprendi tudo na prática. Com o curso de economia, passei a entender o porquê de cada documento e sua importância. Antes, apenas classificava, sem saber o motivo. O sucesso do curso a distância é a disciplina. Tem que abrir mão de ver televisão, da internet e outros atrativos para se aplicar aos estudos. Reparei que essa modalidade de ensino exige muita pesquisa, muito mais do que a aula presencial. É sabe ou não sabe. Não tem professor em sala para te dar dois pontinhos e um empurrãozinho. Se perder média, perdeu mesmo. É gratificante o curso. E eu não podia ficar para trás. Tive que entrar também para ajudar meus filhos e incentivá-los.”

Fonte: ABMES